segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sobre como cheguei aqui.

Fixou os olhos numa aresta da parede. Os olhos levemente embotados de lágrimas, lágrimas contidas, duras, fixas em algum lugar entre a angústia inexplicável e o sofrimento mais palpável. A dor antes não era dor: era buraco, era um revolver de coisas insondáveis em seu estômago ou sua alma. O som do filme na tevê era irrelevante, ou não. Teve dúvida sobre a parcela de culpa do DVD em seu estado de espírito. Não, não tem nada a ver com o filme, não tem nada a ver com a trilha sonora, não tem nada a ver com o roteiro de Guillermo Arriaga. Tem a ver consigo mesma, com aquilo que sempre quase sente, aquilo que a vem corroendo silenciosamente há tanto tempo. Tem medo de sentir de verdade e ser pior. Tem medo de cair e não sabe ao certo em que medida a sua tentativa de não-sofrimento é mais ou menos incômoda que se resignar e sentir o que quer que seja, deixar que exploda e que aconteça aquilo que faz parte dela mesma.
Pôs o som no mute. Se vou fazer isso, que faça direito, pensou. O hábito de se auto-contemplar nesses momentos mais pungentes não é novo. Mais um recurso que articulou pra fugir de si mesma.

Interrompe agora o fluxo pra pensar em seus dentes, a boca está com um gosto estranho, preciso escovar os dentes. Não. Depois. Viram só? Típico. Dez minutos a mais não vão resultar numa cárie.

Um tremor qualquer do computador a faz pensar que seu celular pode estar vibrando. Não, não está. Não é ninguém que, às 1:39 de um domingo frio, se lembrou dela e resolveu ligar pra perguntar como anda a vida. Também não pode reclamar do dia de hoje, se divertiu, falou com a amiga, viu orquídeas, comeu chocolate. Então por quê? Por que o buraco sempre, por que a espera eterna e a ansiedade desmedida de que alguma coisa aconteça, de que um telefonema, um amor repentino, alguma coisa que a torne “especial” invada sua vida e assegure sua felicidade plena e irrestrita? Por que não se pode aceitar, por que não digere seu momento e sua vida como estão, e por que não se permite sentir e encarar o processo, mudar paulatinamente tudo que a incomoda? Por que se recusa a aprender, a viver, a mergulhar em seu abismo e provar o caos que antecede qualquer evolução? Desesperada, busca a solução imediata, sofre por saber que não existe, por que sempre tem que doer antes de ficar bom? Pensa em cada erro seu, em cada imperfeição, em cada insucesso, em tudo que deveria ter feito e escolhido melhor. Carrega o peso do mundo em suas costas, ou pelo menos o peso de sua vida, e não consegue sofrer porque não se permite o erro, embora tantas vezes se refugie nele. E o que é sofrer de verdade? Será que não é isso?... Congelou por um instante. Um frio denso e pastoso percorreu sua coluna, seu coração se apertou, não pensava mais em nada. Sim. Eu sinto. É isso, é essa coisa que não sei o que é. Mas que é. E está. E pulsa, e acontece. Começou a saborear sua dor, como um carinho que machuca, mas continua a ser carinho.
Dessa forma, pela primeira vez experimentou essa felicidade estranha, esse certo alívio e certeza de que tudo vai ficar bem, tudo vai melhorar agora que pode viver sua dor, sem se questionar sobre sua natureza. Mergulhou no mais fundo de si, e não viu a menor necessidade de se explicar. Se for generosa com o caos, vai conseguir. Vai passar.
Resolveu parar de fugir da escrita. Vai voltar a escrever, vai se obrigar a não ser mais covarde.
Vou fazer um blog.